quarta-feira, 30 de março de 2011

A vida sob a mortalha

Minha respiração não me deixa esquecer: eu posso morrer a qualquer momento. Eu morro a todo instante. Cada suspiro que dou é um suspiro a menos.

Posso ser atropelado ao atravessar a rua distraidamente; me afogar no mar em um domingo ensolarado; sofrer um enfarte ao me levantar pela manhã; cair e bater a cabeça ao descer as escadas do prédio. Morrer é mesmo muito fácil.

Minha nuca (demasiadamente fértil, talvez; paranóide, diriam uns; conscienciosa, eu diria) não cessa: insiste em me lembrar da minha fragilidade. Da nossa fragilidade. Da grande ironia que é a subsistência humana: poderosa, porém efêmera. A vida sob a mortalha. Deus existe? Então Ele tem um ótimo senso de humor... ácido.

Afinal, tudo muda o tempo todo. Minha grande paixão ocupou apenas um breve período da minha existência. Meus maiores sonhos evaporaram-se para o vazio, realizados ou não. O sólido se desmancha. Os cadáveres apodrecem. A vida morre. O amor acaba.

Como vermes, nos alimentamos de morte. O mundo é um grande defunto em trabalho de parto.

3 comentários:

  1. sendo extremamente clichê... morrer é fácil... difícil é viver e conviver com nossas pequenas mortes diárias.
    é reconstruir, refazer a todo momento.
    recomeçar quando achávamos que pronto estava.


    texto muito forte
    gostei muito.

    beijos

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  2. o mundo é um moinho e felizmente anda triturando nossos sonhos tão mesquinhos.
    belo texto

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  3. Carrossel das mortes múltiplas
    Resistência cotidiana
    Morrer aos poucos
    E nascer para dentro de si

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