terça-feira, 25 de abril de 2017

Love is the devil

"Que loucos infortúnios fazem o desespero arder em seus olhos?
Sonho com um amante duro
Grande como o universo
Seu corpo tingido pelas sombras.
Vai me esmagar, nu,
na fenda escura entre suas coxas douradas
Um delinquente mundano transformado em arcanjo
Meu amante será meu assassino?
Ou eu serei o dele?

A solidão,
Minha única verdadeira companheira, sempre rivalizará com qualquer amante
Seu ambicioso desejo sempre conduz a um abismo entre eu e quem quer que concorra à minha companhia
E me pergunto:
Possuo um demônio destruidor em meu interior?"

Francis Bacon, no filme Love Is the Devil: Study for a Portrait of Francis Bacon (1998)

quarta-feira, 30 de março de 2011

A vida sob a mortalha

Minha respiração não me deixa esquecer: eu posso morrer a qualquer momento. Eu morro a todo instante. Cada suspiro que dou é um suspiro a menos.

Posso ser atropelado ao atravessar a rua distraidamente; me afogar no mar em um domingo ensolarado; sofrer um enfarte ao me levantar pela manhã; cair e bater a cabeça ao descer as escadas do prédio. Morrer é mesmo muito fácil.

Minha nuca (demasiadamente fértil, talvez; paranóide, diriam uns; conscienciosa, eu diria) não cessa: insiste em me lembrar da minha fragilidade. Da nossa fragilidade. Da grande ironia que é a subsistência humana: poderosa, porém efêmera. A vida sob a mortalha. Deus existe? Então Ele tem um ótimo senso de humor... ácido.

Afinal, tudo muda o tempo todo. Minha grande paixão ocupou apenas um breve período da minha existência. Meus maiores sonhos evaporaram-se para o vazio, realizados ou não. O sólido se desmancha. Os cadáveres apodrecem. A vida morre. O amor acaba.

Como vermes, nos alimentamos de morte. O mundo é um grande defunto em trabalho de parto.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Relato de uma orgia

Ontem a noite nós três fomos seduzidos. Seduzidos. Era tarde da noite, fumávamos, bebíamos vinho e chá de hortelã. Estávamos ébrios, alegres e falantes. Gargalhadas e trovoadas. Então, ela chegou. Fitou-nos com seu olhar cinzento e voluptuoso. Sussurrou seu chiado úmido em nossos ouvidos. E com seu hálito morno, mordiscou nossas peles. Nossas várias peles. Arrepiamo-nos. Era o tesão declarando suas posses. Não, não fizemos questão alguma de resistir. Despimo-nos e corremos para fora. Brincamos e transamos, em uma orgia deliciosa com ela: A Tempestade. Deliciosa.

Sentenças do ano passado

Você é uma parte de mim que eu não sei ter.

Porque alguém que não sabe lutar, não pode sobreviver a mim.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Escritor em óbito

Entrei muitas vezes no blog, assim como quem não quer nada, mas no fundo, no fundo, querendo escrever algo. Qualquer coisa. E de tanto que me servia qualquer coisa, acabei postando nada.

Dessa vez resolvi postar, para estabelecer um compromisso, como quem assina um contrato: Eu preciso escrever mais. Pre-ciso.

Só não me pergunte o porquê.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Sei que não há como convencê-la de que isto não é um truque, mas não faz mal. Sou eu. Meu nome é Valerie. Não creio que viverei muito tempo e quero falar sobre a minha vida. Esta é a única biografia que eu vou escrever, e deus, estou escrevendo-a em papel higiênico.

Nasci em Nottingham, em 1985. Não me lembro muito da infância, mas eu me lembro da chuva. Minha avó tinha uma fazenda em Tuttlebrook e dizia-me que Deus estava na chuva. Fui aprovada no exame para o curso secundário; foi na escola que conheci minha primeira namorada, seu nome era Sarah. Foram seus pulsos. Eles eram lindos. Achei que nos amaríamos para sempre. Lembro-me de nosso professor dizendo-nos que era uma fase da adolescência que superaríamos. Sarah superou. Eu não.

Em 2002, eu me apaixonei por uma garota chamada Christina. Naquele ano, contei aos meu pais. Não poderia ter feito isso sem a Chris segurando minha mão. Meu pai não olhou para mim. Disse-me para ir embora e nunca mais voltar. Minha mãe não falou nada. Mas eu só contei a verdade a eles, isso foi egoísmo demais? Nossa integridade vale tão pouco, mas é tudo o que realmente temos. É a parte mais importante de nosso ser. Com ela, somos livres.

Sempre soube o que queria da vida e, em 2015, eu estrelei meu primeiro filme: As Dunas de Sal. Foi o papel mais importante da minha vida, não pela carreira, mas porque assim conheci a Ruth. Na primeira vez em que nos beijamos, eu soube que nunca mais iria querer beijar outros lábios. Nós nos mudamos para um pequeno apartamento em Londres. Ela cultivou Scarlet Carsons para mim na janela e nosso apartamento sempre cheirava a rosas. Foram os melhores anos da minha vida.

Mas a guerra dos EUA ficou pior, e pior... E, no fim, chegou a Londres. Depois disso, não houve mais rosas. Não para todos. Lembro-me de como o significado das palavras começou a mudar. Palavras pouco familiares como "colateral" e "rendição" inspiravam medo; enquanto coisas como "Fogo Nórdico" e "Os Artigos de Submissão" tornaram-se poderosas. Lembro-me de como "diferente" virou "perigoso". Eu ainda não entendo por que nos odeiam tanto. Eles levaram a Ruth enquanto ela estava fora comprando comida. Nunca chorei tanto na minha vida. Não demorou até que viessem para me buscar. Parece estranho que minha vida termine em um lugar tão horrível. Mas durante três anos eu tive rosas e não pedi desculpas a ninguém.

Eu morrerei aqui. Cada pedacinho do meu ser perecerá. Cada pedacinho... Exceto um. É pequeno e frágil, mas é a única coisa que vale a pena ter. Nós jamais devemos perdê-lo ou jogá-lo fora. Nós jamais devemos deixar que o tirem de nós.

Eu espero que, seja você quem for, escape daqui. Espero que o mundo mude e as coisas fiquem melhores. Mas o que eu espero, acima de tudo, é que você entenda o que quero dizer quando digo que mesmo que eu não te conheça e mesmo que talvez jamais conheça você, ria com você, chore com você, ou beije você... Eu amo você. De todo o meu coração... Eu amo você.

Valerie


Carta extraída do filme "V de Vingança", dirigido por James McTeigue.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Araras



Hoje acordei antes do despertador tocar, de um sonho triste com araras. Eu entrava em um viveiro acompanhado de alguém, provavelmente uma mulher (Amanda?) e encontrava duas araras mortas: o pai e o filhote. Os cadáveres jaziam ao chão e a arara inconformada não saía de perto do corpo do filhote, gemia, arrastava-o e aconchegava-o junto de si. Lamentei muito enquanto pensava na tristeza dela. Araras são monogâmicas e costumam ficar com o mesmo parceiro pelo resto de suas vidas. O outro casal de araras felizmente estava bem. Não questionei o motivo da morte. Só me chama a atenção o fato de as araras mortas estarem sem bico e depenadas. Após acordar lembrei-me das águias, que se isolam nas montanhas quando seus bicos e penas já estão muito velhos e arrancam-nos um por um para que nasçam novos.